Tony Stark, o Homem de Ferro, é manguaça. Imagina-se que o seu pior inimigo seja o Besouro, o Barão Zemo ou o Mandarim, mas não. É a cana mesmo. Foi ao médico e acharam 15% de sangue na corrente alcoólica dele. Aquelas coisas...
Tudo coisa da Marvel Comics que chegou no mundo dos quadrinhos como o tio fanfarrão no domingo de manhã. Causando e incomodando. Tal qual os hippies, as feministas, os negros e os jovens franceses fizeram ante o status quo. Os heróis da Marvel, nascidos durante as turbulências dos 60, enfrentavam encrencas de gente grande, como pagar o aluguel (Homem-Aranha), tretas familiares (Quarteto Fantástico), ser alvo de preconceito e racismo (X-Men, Luke Cage), sem contar o Hulk, coitado, que tinha mais problemas que a delegacia de Osasco. Tudo isso contrastava com os heróis da DC Comics, que atingiram os píncaros da fama em 40 e 50. Eram Super Homem, Batman, Mulher Maravilha, Flash, etc. que como Deuses do Olimpo, limpavam a Terra dos indesejáveis com a mesma facilidade com que Samantha requebrava o nariz. Era o otimismo do pós-guerra.
Mas quando chegaram os 60/70, com o Vietnã e todo o resto, os heróis tiveram que endurecer. Stan Lee percebeu isso e fundou a Marvel, que viria a contribuir horrores na construção do mercado americano de ícones pop e então, além dos supracitados, criou o Homem de Ferro, que estreou em revistinha em 1963 a doze centilascas preço de capa e que hoje chega aos cinemas em megaprodução de US$150 milhões.
A história é conhecida. Durante a guerra do Vietnã, o bilionário Tony Stark é alvejado e precisa criar um marcapasso ultrasofisticado para não morrer, e no processo descobre os preceitos para criar uma armadura que acaba usando para lutar contra o crime. Na refilmagem, o algoz da vez não é vietcongue, é terrorista. Um hiato aí de 44 anos e o que mudou? O Vietnã parece ter sido o fim do sonho. O oriente médio é a consolidação do pesadelo. Quando somos jovens, há o bem e o mal, fácil de distinguir como o preto e o branco. Conforme envelhecemos, começamos a perceber os vários tons de cinza. Assim as pessoas, assim as nações. A América saiu da puberdade.
A Segunda Guerra trazia objetivo claro. Entrar no continente, ir até o meio, matar o bigodinho. Pronto. Vencido o mal, só restava ir beber. Em Paris, de preferência, que a mulherada tava toda, toda...
No Vietnã, “dominava-se” o inimigo e “poupava-se” a população civil, mas “os rebeldes” continuavam dando dor de cabeça e a moral das tropas ia baixando e os soldados começavam a ficar lélé e a opinião pública era em peso contra.
Já o Iraque parece um clone piorado do Vietnã. Tal qual o Bizarro, sósia tosco do Super-Homem. Piorado porque salvar o mundo é crença de inocente. Conforme a realidade vai nos beliscando, percebemos que estamos entre os sortudos se conseguirmos salvar a nós mesmos. Logo, esse princípio Wilsonianista que molda a política de relações exteriores dos EUA está muito mais caduco agora do que durante o mandarinato Kennedy. Princípio que prega a ajuda aos fracos, fazendo o país agir como o super-herói que sai ao socorro de quem acha que está em perigo sem perguntar se a suposta vítima quer ajuda. Funcionou bem nas duas grandes guerras, quando os princípios nobres da Liga da Justiça eram inquestionáveis. Começou a dar pau na Coréia, e embora tenha falhado de vez no Vietnã, quando os heróis problemáticos da Marvel estavam em alta, as crianças pelo menos ainda podiam assistir a uma versão animada da Liga da Justiça chamada “Superamigos”.
Mas hoje, crianças são crianças por menos tempo e os outrora “Superamigos” estrelam nova série na TV onde matam o presidente e tomam o poder, introduzindo cinza onde antes só havia preto e branco, num momento em que povo e congressistas são em peso contra uma guerra por não terem certeza de quem é bom e quem é mau. Essa é a primeira grande mudança percebida nesse novo Homem de Ferro. O inimigo externo não parece tão amedrontador quanto as insânias frutos da ganância do capitalismo. E os questionamentos sobre o sistema; Stark é o que é graças ao sistema. Quando percebe o quanto este pode ser maléfico, tenta sair e, claro, não consegue. Ou melhor, consegue, mas ajudado pelo próprio sistema. E para quem sabe como a história continua além do filme, sabe que o sistema só permitiu a emancipação de Stark para que ele trabalhe para o próprio, cooptando e perseguindo aqueles que o sistema considera indesejáveis. É chato, mas a vida de verdade funciona assim. Por isso que não consegui imaginar um nome mais apropriado para este blog.
Outra grande mudança foi a tecnológica. Dêem uma olhada na armadura velha do Homem de Ferro.
Assisti muito a ele, em menino, em desenho desanimado, (assista a abertura logo abaixo) pois as únicas coisas que se moviam eram olhos piscantes e boca. Mas era irresistível, pois não era todo dia que eu trombava com um herói “elétrico”, “atômico”, “genial” e “lenha pura” (devia ter um OSCAR para tradutores. A melhor que já ouvi até hoje foi “trabalho de sopro” para “blowjob”, num filme de...) .
Enfim, achava o máximo um herói que se comunicava durante o vôo com o seu amigo Rodhey através de um rádio de superfrequência embutido na armadura. Hoje, qualquer moleque com um celular, um ipod e um Gps daria um pau no aparato tecnológico do Stark dos 60. Tirando os raios, lógico. Hoje, embora todas as seqüências de ação de tirar o fôlego e patati-patatá, não há moleque que se impressione com as funções ultra-modernas da armadura de Stark. Tirando os raios, lógico.
Em guerra, por séculos, o maior inimigo foi o outro exército. Hoje, é possível também perder para a opinião pública, pois essa pode perceber ou ser levada a crer, a la ovelha e cão pastor, que tudo não passa de engodo. Antes demorava mais porque precisávamos esperar alguém que foi ver voltar para nos contar. Como o Walter Cronkite que era âncora do jornal da CBS e num ato de coragem, foi cobrir a guerra do Vietnã de perto e depois de ver uma ofensiva onde o exército metralhou por dias um barracão de onde no final saíram duas pessoas, voltou pra casa e anunciou “...fizemos o que pudemos, agora vâmbora” e começou o efeito dominó que mudaria o ponto de vista da opinião pública americana.
Hoje, não. Com toda essa parafernália, um milico negligente tira com o celular a foto de preso de guerra sendo torturado e na manhã seguinte está no New York Times e à noite, no Jornal Nacional. Se na guerra do Vietnã levaram dezesseis anos para perceberem que não havia como ganhar, na do Iraque não chega, aposto, a oito.
Pode parecer impossível assistir a Homem de Ferro e dissociá-lo de uma visão política. Mas não é. É entretenimento de primeira e merece ser conferido. Também porque daqui a 40 anos quando sair “Homem de Ferro super holográfico 3D” num cinema perto de você (rimou sem querê) poderá checar o quanto a humanidade evoluiu. Se é...
Em tempo... fique até o final dos créditos e verá como uma nova era se anuncia...
6 comentários:
Eric,
genial seu texto! Aliás é muito melhor do que o filme (é, eu não gostei, mas nunca fui tão fã do Homem de Ferro).
Faltou você falar da música, que diga-se de passagem poderia ter sido mais usada no filme (quem sabe melhoraria aquele tédio todo).
Adorei ler seu texto, valeu!
Ciça.
ô deejaydomeucasamento, adorei o texto. Flui mesmo... Eu que não entendo patavinas de super-heróis consegui compreender, concordar, discordar e rir no final. Um beijo, Bruna... Ah, e valeu a trilha sonora, vai ficar para a história!
POR FAVOR, me tire do seu mailing... há meses tento enviar uma mensagem com este pedido, mas o e-mail imprensa@inker.art.br está sempre cheio.
Não tenho nenhum interesse em receber atualizações do seu blog, por favor, limpe a caixa de e-mail para que eu possa solicitar por lá a exclusão.
obrigada.
Eric,
Gostei bastante do que li do seu blogue. Cultura pop para qualquer um ler e gostar. É o que estamos tentando fazer em termos de TV com o Banca de Quadrinhos. Acho que estamos no caminho certo, rapaz.
grande abraço!
é, tony stark continua bancando de cientista espacial, tanto que não conseguiu evoluir pra cientista ambiental: lhe faltou a jogada ixpeirrta pra dominar o mundo, afinal se o pião de luz do peito dele é tão bom assim porque a Stark Enterprises não entra no negócio de energia limpa? assim sim daria pra dominar o mundo sem aquele monte de bomba, ninguém resiste a um 'você não pagou a conta de luz agora então eu vou ser obrigado a desligar a força e você não vai poder assistir tv nem tomar banho quente. morra, mero mortal'. só não acho que teria muito efeito em povos das cavernas, mas aí já é outra história.
abraços velhinho.
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