quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Belenzinho Love Affair

O romance era impossível. Ele, de Itaquera, ela, do Taboão. Haviam se conhecido no SESC Belenzinho. E ainda assim, nada disso os impedira de se encontrarem de novo e de novo e de novo....

Ele quase mandou tudo às favas quando além de levar três horas para chegar em casa, voltando da dela, foi assaltado. Era um domingo à noite. Fosse um Sábado, provavelmente não teria pensado em desistir. Mas no Domingo, já estava com a energia baixa. Quem não está? Sobretudo depois que se ouve a musiquinha do fim do Fantástico. E ele ouvira, passando pela frente do bar do Buda Negrão. Negrão, porque crioulo. Buda, porque gordo.

Mas desistiu de desistir, pois o amor não é lógico. Lógica subvertida, foram lá os dois inventar moda. Falavam em dar uma casada. Ela, mais do que ele.

Lógico.

A mãe dele não se conformava. “Por que não com alguém daqui de perto?” Perguntava em fofoca com a Severina, a Odete e a Lourdes, quase todos os dias, no portão, quando as conversas sobre doença e morte se tornavam tediosas. Com o filho, usava de estratégia sistemática. Provar por “A” mais “B” que relacionamentos a tamanha distancia estavam fadados ao fracasso, tal qual a união da filha da tia Maricota, com aquele rapazinho do Embu. Afinal, eles foram morar perto da casa dos pais dela, no Mandaqui, e depois que a paixão começou a definhar e bateu a saudades dos amigos, o rapaz começou a se afastar. Primeiro, se enfurnava na casa da mãe nos fins de semana. Depois, inventou de passar uma semana lá, outra cá. Aí, a mãe da tia Maricota ainda me vem com minhocas para a cabeça da neta; que ele devia estar saindo com alguma sirigaita. Coitado... justo ele.Feio como um dia sem pão. Jamais achou que ia casar sequer, tendo se acostumado a ter o Coringão como o único amor possível da vida. Enfim, noves fora que, antes de acabarem de pagar a última parcela da Copa comprada na Marabraz, ela pediu o desquite. “Era pra ser o quanto foi. Fazer o quê?” Repete até hoje a sábia tia Maricota. Porém, o moleque neto dela, já de três anos, é mais esperto que a média.

Mas ele não arredava o pé. Dizia que era a mulher da vida dele. A mãe surtava. O pai, grunhia, e às vezes, participava das discusões, mas só durante o comercial.

A mãe, que sempre teve certo fascínio por alternativas alopradas, chegou a fazer despacho para ver se ele mudava de idéia. Ele brincava; mãe, pelo menos coloca um champagne bom junto com um peru decente na esquina da Oscar Freire com a Haddock Lobo e aí quem sabe o Diabo aparece? Cê acha que ele vai vir até aqui a esquina, nesse fim de mundo, pra comer frango com farofa? Vai sair de um inferno para ir pra outro?

Nessa hora entrou o comercial e o pai falou, antes de sair da sala sei lá pra onde: “Até o Pai Nêgo já disse que não tem jeito”.
“Preto Velho!” Corrigiu ela.
Talvez o Cão, o Tinhoso, o Coisa Ruim, pegue mesmo mal com Frango com farofa, pois não só se casaram como foi o único dia da semana que não choveu, afinal ela fez porque fez questão de casar em Março. O pai da noiva que resmungou “todo esse baita trabalhão à toa” se referindo à lona laranja sobre o quintal da sua casa, onde foi a festa.

O Pai Neg...er... Preto Velho foi no casório. Não era nem tão preto, nem tão velho, mas sábio, ah, isso era. No primeiro choramingo da mãe do noivo ouviu:
“Você acha que as pessoas decidem lá grandes coisa na vida? Ele por um acaso decidiu nascer em Itaquera? Acha que ela não preferia ter nascido nas Perdizes? Acha que eles decidiram se gostar? Num tem jeito não muié. A gente sem dúvida colhe o que planta, mas a história grande mesmo, se escreve sozinha.”

Pois é.

E agora ele passa mais tempo na casa da sogra do que na da mãe, que fica mais chata a cada dia. “Já faz três semanas que ele não dá as caras. O que eu fiz pra merecer? E você que não faz outra coisa senão assistir essa porcaria. Devia ter casado com o Messias mesmo”.

“Se tivesse casado com o Messias, não teria ficado tão chata que nem o marido, nem o filho agüentam”, diria o Pai Nêgo, se presente. Verdade, pois quis inventar moda e resolveu casar com quem casou, mesmo tendo mais motivos para se casar com o Messias. “Acontece que o Messias já era desquitado... o povo ia ficar comentando...” ela saca como desculpa sempre que necessário.

E agora cabe ao marido escutar as barbaridades... às vezes ele ameaça de ir embora. Mas só durante o comercial.

2 comentários:

Anônimo disse...

pois eh, soh durante o comercial que eu consigo escrever um recado. abracos do velho mundo.

Anônimo disse...

Ah, vc devia escrever mais contos! Parabéns!